Usuário ou Traficante?

Quando o assunto são drogas existe uma grande confusão na interpretação do que é e o que não é crime no Brasil. O senso comum acerta em parte. Em geral, todos sabem que as consequências criminais para usuários de drogas são menores do que para traficantes. Mas é só. A partir daí tudo parece obscuro. Então, vamos esclarecer.

Primeiro de tudo, a posse de drogas para uso próprio não foi descriminalizada como se diz, ela foi “desencarcerizada”, ou seja, não se prende mais o cidadão, mas ele ainda responde pelo crime.

A lei brasileira realmente faz distinção entre quem tem drogas para uso próprio e quem tem drogas para fins de tráfico. Enquanto a posse para uso não permite prisão em flagrante e a pena mais pesada para o usuário é de prestação de serviços à comunidade,  a pena mínima para tráfico é de cinco anos, e por ser crime hediondo, a progressão do regime fechado pro aberto é mais difícil.

Ao contrário do que muitos pensam, a lei não define uma quantidade mínima ou máxima para alguém ser tratado como traficante ou usuário, também não tem nenhum critério objetivo, somente subjetivos .

Teoricamente, ter dez quilos de maconha em casa, poderia ser considerado tanto como para uso, quanto para tráfico, dependeria de se verificar qual o objetivo da pessoa. Se ela fez um estoque pra muito tempo, ou se objetivo dela é distribuir aquela droga a terceiros, sendo ou não remunerado.

“para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. “

Não é o objetivo aqui exaurir cada um desses elementos, mas posso resumir com DEPENDE DA CARA DO FREGUÊS, quanto mais “cara de traficante” a pessoa tiver, mais chance ela terá de ser tratada como tal, mesmo que a droga seja para uso próprio. A questão é, “o que é cara de traficante?”, não vou responder essa pergunta, acho que já puderam entender bem o que quero dizer.

Quanto ao tráfico, além da óbvia figura do traficante armado até os dentes no alto da favela, muitas outras condutas podem ser consideradas como tráfico.

Se uma pessoa se submete a buscar drogas para alguém, mesmo que seja um favor;

Se você tem drogas para uso próprio, e cede gratuitamente a um amigo para que ele use em casa, ou leve pra uma festa;

Se você entrega a amigos para que usem em outras ocasiões que não ali na hora junto com você;

Em resumo: Se a droga sai da posse da pessoa “A” para posse da pessoa “B”, exceto se o objetivo for usarem juntos, “A” estará comento o crime de tráfico, e poderá ser submetido à penas que podem variar de cinco a quinze anos de prisão.

Mas calma que ainda não acabamos, ainda há outras formas de criminalizar pessoas envolvidas com drogas. Auxiliar alguém a usar drogas é punido com penas de um a três anos. Auxiliar pode ser ajudar a pessoa a injetar uma substância, ou mesmo a transformar a maconha prensada em cigarro, ou ensinar uma pessoa como deve usar. Aqui não há impedimento legal para que a pessoa seja presa em flagrante, mas penas “baixas” como essa, geralmente são aplicadas com alternativas, como o famoso “serviço comunitário”.

E por fim, ceder sua própria droga a um amigo para que consumam juntos, também é crime, punido com penas de seis meses a um ano. Este crime, porém, não permite prisão em flagrante, mas assim como o crime de posse de drogas para consumo próprio, podem levar o usuário a dar um passeio pela delegacia, ser fichado, e responderá ao processo em liberdade.

Enfim, essas são as diferenças básicas entre as formas legais de punir pessoas envolvidas com drogas, desde seu comércio ilegal, até o consumo.

P.S.: Aceito sugestões para temas nessa coluna. O tema precisa ser comum no cotidiano de pessoas não ligadas ao direito, como é a proposta.

Um pouco de crítica e exemplos:

Uma curiosidade, é que variadas pesquisas apontam que a maioria das pessoas presas, condenadas ou aguardando julgamento, por tráfico de drogas, foi presa com quantidades bem pequenas de drogas, quantidades essas que geralmente ficam abaixo de quantidades mínimas definidas em leis de outros países. Ou seja, em outro país a pessoa seria considerada usuária apenas.

Essa lei é bastante criticada pela maioria dos juristas da área criminal, exatamente pela definição vaga e inexata de quem é usuário e quem é traficante, deixando uma subjetividade que pode e é usada de forma preconceituosa e/ou autoritária pela polícia e pelo judiciário.

Abaixo tem um bom exemplo de como a subjetividade da lei pode complicar a vida de um usuário e principalmente de viciados pobres. Alguém diz que a pessoa está traficando drogas, a polícia aborda a pessoa encontra em sua posse três pedras de crack (diz que é crack, mas depois é dito que é cocaína). A edição diz que eram 0,8 gramas de cocaína, isso mesmo, menos de 1 grama. E o policial que comandou a ação disse que ela teria admitido ao delegado que aquela história toda era mentira, e que na verdade ela é traficante. Foi presa e aguardará julgamento.

Culposo ou Doloso?

É muito comum ouvir-se na TV “o acusado será indiciado por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar”. Quando o motorista está dirigindo bêbado e mata alguém há alguns anos a TV dizia ser homicídio culposo, agora é comum ouvir “será indiciado por homicídio doloso, quando assume o risco de matar.

Pois bem, vamos definir o que é o que, e você a partir de hoje será sempre o cara ou a moça da mesa do boteco que sabe o que é o que e porque. Porém antes de começar aviso mais uma vez que a ideia é ser um guia rápido e não um texto acadêmico, logo, não vamos discutir todas as nuances dessas duas modalidades de crime, apenas as principais.

Dolo e Culpa são elementos básicos para a definição de um crime, grossamente falando eles tratam da intenção do agente, ou seja, do manolo que comete o crime, e isso vai influenciar na pena e até mesmo em definir se a conduta é ou não punível.

O Dolo pode ser dividido entre Dolo Direto e Dolo Indireto. Há ainda outras subdivisões mas não precisamos abordá-las.

No Dolo Direto, a pessoa que comete o crime deseja a produção do resultado, é o mais simples e mais fácil de ser reconhecido. Age em Dolo Direto a pessoa que atira em outra pessoa querendo matá-la. Que bate na outra querendo machucá-la e assim por diante.

No Dolo Indireto a coisa complica mais um pouco, aqui o indivíduo que tem a conduta não deseja que aquele resultado ocorra, mas admite o risco de causar o resultado. Ou seja, ele sabe que pode dar merda, mas ele está decidido a fazer aquilo, e se o resultado acontecer dane-se. EX. Você deseja atirar no chato do seu vizinho que está dando uma festa e tocando funk alto a noite toda, o quintal dele está cheio de convidados, mas você invade o local com a arma em punho, ele ao te ver corre, e você abre fogo na direção dele. Você não deseja matar os outros convidados, apenas o chato, mas descarregando sua arma na direção dele está assumindo o risco de matar os convidados, e se morrerem? Ah, se morrerem, dane-se.

Agora falemos da Culpa, que apesar do senso comum pensar que é com intenção, será sempre sem a intenção de causar o resultado. A Culpa é oposta ao Dolo, um crime nunca será os dois ao mesmo tempo, existe um elemento híbrido entre os dois chamado Preterdolo, mas é um assunto mais avançado.

Na Culpa, o indivíduo não deseja de forma alguma o resultado do crime, é comum decorrer de um acidente, mas apesar da pessoa não ter desejado ela “deu motivo”, ela “vacilou” e por isso deve ser punida, de uma forma menos grave do que seria no tipo doloso, mas ainda assim punida.

A culpa tem vários elementos para ser verificada, um dos principais é a previsibilidade, ou seja, o resultado tem que ser previsível para um ser humano médio diligente. Além disso a pessoa precisa ter agido com Imperícia, Imprudência ou Negligência.

A Culpa pode ser Inconsciente, que é quando a pessoa não prevê de fato a possibilidade do problema acontecer.
Ou Consciente que é quando a pessoa prevê que o problema poderia acontecer, mas que ela é tão segura de si, que tem certeza de que é capaz de evitar o resultado. Lembram o exemplo que dei do vizinho abrindo fogo contra o outro na festa? Seria como se nesse caso o vizinho armado por se achar um exímio atirador acreditasse piamente ser perfeitamente capaz de acertar somente seu alvo, sem causar dano a mais ninguém.

Mas como vocês já podem ter notado, fica uma linha muito, muito tênue entre o Dolo Indireto e a Culpa Consciente, e é aí que mora o perigo e gera muita discussão das faculdades ao STJ.  Como eu disse lá no começo, existe uma briga que vai se estender muito ainda para definir onde se encaixa o motorista que bebeu, dirigiu e matou. Se é Culpa Consciente ou Dolo Indireto (e acredite, isso muda tudo no processo).

Veja bem, se você interpelasse seu amigo que bebeu e está indo pegar o carro:

-Mas cara, você bebeu e vai dirigir? Pode sofrer um acidente, pegue um táxi.
-Nãaao, eu bebi pouco, sou perfeitamente capaz de dirigir, digo mais! Dirijo até melhor quando bebo.

-Mas você sabe que tem um certo risco.
-Olha ter até tem, mas não pra mim, eu sou o cara e não vou deixar nada de errado acontecer.

Neste caso segundo a definição de culpa consciente seria concluído que caso o motorista cause um acidente, agiu com culpa (sem a intenção) e não com dolo (assumindo o risco). Mas se o diálogo fosse um pouco diferente…

-Mas cara, você bebeu e vai dirigir? Pode sofrer um acidente, pegue um táxi.
-Nãaao, eu bebi pouco, sou perfeitamente capaz de dirigir, digo mais! Dirijo até melhor quando bebo.

-Mas você sabe que tem um certo risco.
-Olha ter até tem, mas se matar alguém, azar da pessoa, são 3hs da manhã, não é hora de ninguém estar na rua, além disso o carro é meu e eu faço o que eu quiser!

Fácil concluir que é Dolo Indireto. Acontece que ninguém pode tomar esse exemplo como guia, pois o caso concreto é via de regra muito mais complexo do que esse exemplo bobo que eu dei, como já disse Chapolin Colorado “o mais certo é: Quem sabe?”, só mesmo olhando o processo de cada caso daria pra dizer o que é de fato.

Mas e a tendência recente de indiciar motorista ébrio como doloso? Política criminal, e um entendimento de que no mundo atual a pessoa está mais do que informada (e convencida?) dos riscos, logo assume o risco.

Então é isso galera.

Dolo:

Dolo Direto: Com intenção.
Dolo Indireto: Sem intenção mas assumindo o risco.

Culpa:

Culpa Consciente: Sem intenção, com previsão mas achando que pode evitar o resultado.

Culpa Inconsciente: Sem intenção e sem previsão.

Caso queiram aprofundar um pouco mais o assunto podem pesquisar por: Dolo Eventual, Dolo Alternativo (ramificações do Dolo Indireto), e Preterdolo.

Dire(i)to do Bar

Essa nova coluna pretende ser um guia rápido de direito para leigos, então se você está lendo ela pra estudar para sua prova, está ferrado. A ideia é que a pessoa que não é da área do direito tenha noções básicas de temas do direito comuns no cotidiano.

Na mesa do bar ou na social com os amigos sempre surge algum assunto ligado ao direito e como era comum numa social eu explicar brevemente algo do direito tive a ideia da coluna. O nome está ligado a isso, boa parte dessas conversas foram no bar, ou em sociais, as vezes aconteceram no metrô ou no trem, mas acho que não iria ficar bom “Trem dos advogados”. HAHAHA

Espero que curtam o primeiro texto, e aceito sugestões quanto aos temas, mas lembrem-se, precisa ser um tema que surja comumente no cotidiano e não pode ser muito aprofundado, afinal não é papo pra operador do direito.

Então peçam sua cerveja, ou suquinho de laranja (afinal, não precisa beber pra ir pro bar depois do expediente bater papo com os amigos) e vamos falar da vida, do tempo, dos estudos, do trabalho, do trem, do trânsito que logo um assunto sobre Direito surge.