Culposo ou Doloso?

É muito comum ouvir-se na TV “o acusado será indiciado por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar”. Quando o motorista está dirigindo bêbado e mata alguém há alguns anos a TV dizia ser homicídio culposo, agora é comum ouvir “será indiciado por homicídio doloso, quando assume o risco de matar.

Pois bem, vamos definir o que é o que, e você a partir de hoje será sempre o cara ou a moça da mesa do boteco que sabe o que é o que e porque. Porém antes de começar aviso mais uma vez que a ideia é ser um guia rápido e não um texto acadêmico, logo, não vamos discutir todas as nuances dessas duas modalidades de crime, apenas as principais.

Dolo e Culpa são elementos básicos para a definição de um crime, grossamente falando eles tratam da intenção do agente, ou seja, do manolo que comete o crime, e isso vai influenciar na pena e até mesmo em definir se a conduta é ou não punível.

O Dolo pode ser dividido entre Dolo Direto e Dolo Indireto. Há ainda outras subdivisões mas não precisamos abordá-las.

No Dolo Direto, a pessoa que comete o crime deseja a produção do resultado, é o mais simples e mais fácil de ser reconhecido. Age em Dolo Direto a pessoa que atira em outra pessoa querendo matá-la. Que bate na outra querendo machucá-la e assim por diante.

No Dolo Indireto a coisa complica mais um pouco, aqui o indivíduo que tem a conduta não deseja que aquele resultado ocorra, mas admite o risco de causar o resultado. Ou seja, ele sabe que pode dar merda, mas ele está decidido a fazer aquilo, e se o resultado acontecer dane-se. EX. Você deseja atirar no chato do seu vizinho que está dando uma festa e tocando funk alto a noite toda, o quintal dele está cheio de convidados, mas você invade o local com a arma em punho, ele ao te ver corre, e você abre fogo na direção dele. Você não deseja matar os outros convidados, apenas o chato, mas descarregando sua arma na direção dele está assumindo o risco de matar os convidados, e se morrerem? Ah, se morrerem, dane-se.

Agora falemos da Culpa, que apesar do senso comum pensar que é com intenção, será sempre sem a intenção de causar o resultado. A Culpa é oposta ao Dolo, um crime nunca será os dois ao mesmo tempo, existe um elemento híbrido entre os dois chamado Preterdolo, mas é um assunto mais avançado.

Na Culpa, o indivíduo não deseja de forma alguma o resultado do crime, é comum decorrer de um acidente, mas apesar da pessoa não ter desejado ela “deu motivo”, ela “vacilou” e por isso deve ser punida, de uma forma menos grave do que seria no tipo doloso, mas ainda assim punida.

A culpa tem vários elementos para ser verificada, um dos principais é a previsibilidade, ou seja, o resultado tem que ser previsível para um ser humano médio diligente. Além disso a pessoa precisa ter agido com Imperícia, Imprudência ou Negligência.

A Culpa pode ser Inconsciente, que é quando a pessoa não prevê de fato a possibilidade do problema acontecer.
Ou Consciente que é quando a pessoa prevê que o problema poderia acontecer, mas que ela é tão segura de si, que tem certeza de que é capaz de evitar o resultado. Lembram o exemplo que dei do vizinho abrindo fogo contra o outro na festa? Seria como se nesse caso o vizinho armado por se achar um exímio atirador acreditasse piamente ser perfeitamente capaz de acertar somente seu alvo, sem causar dano a mais ninguém.

Mas como vocês já podem ter notado, fica uma linha muito, muito tênue entre o Dolo Indireto e a Culpa Consciente, e é aí que mora o perigo e gera muita discussão das faculdades ao STJ.  Como eu disse lá no começo, existe uma briga que vai se estender muito ainda para definir onde se encaixa o motorista que bebeu, dirigiu e matou. Se é Culpa Consciente ou Dolo Indireto (e acredite, isso muda tudo no processo).

Veja bem, se você interpelasse seu amigo que bebeu e está indo pegar o carro:

-Mas cara, você bebeu e vai dirigir? Pode sofrer um acidente, pegue um táxi.
-Nãaao, eu bebi pouco, sou perfeitamente capaz de dirigir, digo mais! Dirijo até melhor quando bebo.

-Mas você sabe que tem um certo risco.
-Olha ter até tem, mas não pra mim, eu sou o cara e não vou deixar nada de errado acontecer.

Neste caso segundo a definição de culpa consciente seria concluído que caso o motorista cause um acidente, agiu com culpa (sem a intenção) e não com dolo (assumindo o risco). Mas se o diálogo fosse um pouco diferente…

-Mas cara, você bebeu e vai dirigir? Pode sofrer um acidente, pegue um táxi.
-Nãaao, eu bebi pouco, sou perfeitamente capaz de dirigir, digo mais! Dirijo até melhor quando bebo.

-Mas você sabe que tem um certo risco.
-Olha ter até tem, mas se matar alguém, azar da pessoa, são 3hs da manhã, não é hora de ninguém estar na rua, além disso o carro é meu e eu faço o que eu quiser!

Fácil concluir que é Dolo Indireto. Acontece que ninguém pode tomar esse exemplo como guia, pois o caso concreto é via de regra muito mais complexo do que esse exemplo bobo que eu dei, como já disse Chapolin Colorado “o mais certo é: Quem sabe?”, só mesmo olhando o processo de cada caso daria pra dizer o que é de fato.

Mas e a tendência recente de indiciar motorista ébrio como doloso? Política criminal, e um entendimento de que no mundo atual a pessoa está mais do que informada (e convencida?) dos riscos, logo assume o risco.

Então é isso galera.

Dolo:

Dolo Direto: Com intenção.
Dolo Indireto: Sem intenção mas assumindo o risco.

Culpa:

Culpa Consciente: Sem intenção, com previsão mas achando que pode evitar o resultado.

Culpa Inconsciente: Sem intenção e sem previsão.

Caso queiram aprofundar um pouco mais o assunto podem pesquisar por: Dolo Eventual, Dolo Alternativo (ramificações do Dolo Indireto), e Preterdolo.